Lá pelas 20h30 ele surtou.
Desistia, não suportava mais. São Paulo não era lugar para seus sonhos.
São Paulo não lhe permitia nem mesmo dormir decentemente.
O estopim teria sido o torcicolo, a dor na lombar, os consecutivos diálogos abortados a cada ponto de descarga e reabastecimento de passageiros, ou qualquer outro subproduto das três horas em que aplainaram suas nádegas naquele ônibus.
A mesma situação, dia após dia.
Encheu-se de fúria, encheu os pulmões. Mas o grito era abafado pelos tantos fones de ouviduos. Esvaziou-se bufando, alívio resignado.
Queria descontar fisicamente sua raiva contra o aquário de assentos enfileirados. Suas forças, contudo, mal davam conta de carregar sua mala.
Nem seu braço seria capaz de erguer, tantos eram os que ao redor o comprimiam. Tanta pressão lhe fez perguntar-se porquê são tantos ali, se nem a ele, um só que era, o veículo não lhe resolvia o problema de despacho urbano.
Era hora de sair, seria homérico se abandonasse mala e vida, quebrasse o vidro e fugisse. Superou-se: ajustando seu equilíbrio ao anda-e-para intermitente, o primeiro braço foi estendido num alongamento dramático. Deu o sinal puxando a cordinha, negando ideologicamente o progresso do botão à confortável altura de seus cotovelos.
Ainda não era seu ponto, mas o labirinto de mochilas e bolsas era tão absurdamente extenso que não chegaria tão cedo à porta. Lá fora gritaria. Lá fora seria livre, cantaria e seria ouvido.
Mas é São Paulo e Lá fora chove. A água, sem qualquer glamour que endossar sua rebeldia, é carregada de ácido e não lhe permite sair. Não importa, já são 7h da manhã. O ônibus segue o sentido inverso e compõe um padrão de cinzas que apenas Escher poderia entender. Já ele e a cidade não têm mais sentido.
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