Quequetuacha?
15 min , sem perder a amizade...
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
quarta-feira, 14 de março de 2012
itinerário
Desistia, não suportava mais. São Paulo não era lugar para seus sonhos.
São Paulo não lhe permitia nem mesmo dormir decentemente.
O estopim teria sido o torcicolo, a dor na lombar, os consecutivos diálogos abortados a cada ponto de descarga e reabastecimento de passageiros, ou qualquer outro subproduto das três horas em que aplainaram suas nádegas naquele ônibus.
A mesma situação, dia após dia. Encheu-se de fúria, encheu os pulmões. Mas o grito era abafado pelos tantos fones de ouviduos. Esvaziou-se bufando, alívio resignado. Queria descontar fisicamente sua raiva contra o aquário de assentos enfileirados. Suas forças, contudo, mal davam conta de carregar sua mala.
Nem seu braço seria capaz de erguer, tantos eram os que ao redor o comprimiam. Tanta pressão lhe fez perguntar-se porquê são tantos ali, se nem a ele, um só que era, o veículo não lhe resolvia o problema de despacho urbano.
Era hora de sair, seria homérico se abandonasse mala e vida, quebrasse o vidro e fugisse. Superou-se: ajustando seu equilíbrio ao anda-e-para intermitente, o primeiro braço foi estendido num alongamento dramático. Deu o sinal puxando a cordinha, negando ideologicamente o progresso do botão à confortável altura de seus cotovelos.
Ainda não era seu ponto, mas o labirinto de mochilas e bolsas era tão absurdamente extenso que não chegaria tão cedo à porta. Lá fora gritaria. Lá fora seria livre, cantaria e seria ouvido. Mas é São Paulo e Lá fora chove. A água, sem qualquer glamour que endossar sua rebeldia, é carregada de ácido e não lhe permite sair. Não importa, já são 7h da manhã. O ônibus segue o sentido inverso e compõe um padrão de cinzas que apenas Escher poderia entender. Já ele e a cidade não têm mais sentido.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
possibilidades
Entretido por mídias sociais nas quais as pessoas nem sempre exibem o rosto - posto que este nem sempre é como desejam, ou que nem sempre é este o que se pretende exibir - excedo minha sensatez e o recorde do meu sono, digerindo downloads de informações breves sobre a privacidade de outros notívagos anônimos que pensam em suicídio ou culinária, sobre um novo atentado ou catástrofe que ceifara a vida de milhares de cidadãos inocentes e alheios aos incidentes e à consequente cobertura da grande imprensa.
Dormir seria coerente, pra não prejudicar minha saúde. Ou, mais coerente ainda, seria aceitar minha vocação para a autodegradação e temperar o processo com vodka, café e nicotina, como faziam os antigos. Dedico à eles meu respeito próprio, mas o meu "conselheiro", como diria o Mago Diarista, ainda não se decidiu se me corrompe pela preguiça ou pela luxúria.
Não vejo razão para as pálpebras abertas. Não é o post, asseguro. Minha prolixidade, manifesta nesta prosa pedante, alcançará a redenção em uma rasa cova na vala comum dos blogues, arquivado na pretensa nuvem dos deuses da informação, onde finalmente encontrará a modéstia de seu significado. Destino similar ao das folhas de caderno que guardavam os poemas até o limbo do tempo trazer-lhes a obsolescência , e a banda larga confinar-lhes ao desinteresse.
Na nuvem, ainda poderá assombrar ocasionalmente um monitor ou outro, devido ao resultado equivocado de um site de buscas. Bem como quem pega, além de sinusite, um livro na vigésima prateleira de uma biblioteca.
Devo esperar encontrar algo novo, ossos e profiles.
sexta-feira, 7 de maio de 2010
entrando em campo
Na alegria e na tristeza
quinta-feira, 21 de maio de 2009
non sober
Nem passei por perto dela esta madrugada.
Não era noite pra isso. O preço da irresponsabilidade , contudo , vem agora pela tarde.
E se o sono revisita-me tão inconvenientemente, ainda é preferível ao aborrecimenmto que me causaria a resscaca de três garrafas da Vodka mais furreca que vende o suspeitíssimo mercadinho onde foram compradas.
Que seja. Não faz mal algum. Nunca pretendi casar com o fígado virgem. Casar-se, aliás, não é senão aposentar o fígado das diversões que o funcionamento descoordenado deste pode trazer. Eu pretendo pagar bastate tempo de previdência social angtes de aposentá-lo.
Nem espero que esse bode supere as crises existenciais que faço questão de esquecer para assistir televisão como qualquer idiota (ou qualquer outra pessoa que se põe sobre suas crises para comportar-se como qualquer idiota)...
No final, éssa loucura toda não foge ao dia-a-dia de qualquer outro bêbado...é normal , nessa nova concepção de normal, tanto mais inteligente quanto incoerente, que considera uma boa dose de insensatez para validar-se.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
O caminho de Dona Emma
Uma senhora que vem carregando o impossível nas costas há 94 anos
Por Thiago Teixeira 830755
Diz-se em todo o mundo que Angelina Jolie é uma mulher muito generosa. Não à toa, posto que corram à boca não muito discreta as nababescas somas doadas pela musa às causas sociais.
Consideremos então que ser generoso é doar muito daquilo que se tem, mesmo que de sobra.
Sendo assim, uma antiga passageira do trem das onze, a simpática Dona Emma, equipara a multimilionária atriz ao Tio Patinhas neste quesito.
Tão grande é o amor dispensado pela velhinha a quem lhe cruza o caminho, que nem parece caber no frágil corpo cuja estatura não ultrapassa um metro e meio, tanto e tão grande sentimento.
Como se encontrá-la numa esquina de Bauru fosse possível, lembro-me do ruído do choque entre o chão e a gasta ponta metálica do guarda-chuva que serve de apoio a Dona Emma para suas diárias caminhadas matinais, E, com terna saudade, imagino cruzar-lhe o caminho e pararmos para conversar um pouco, indiferentes ao desespero apressado do mundo, como era de praxe dos meus sábados no Jaçanã, bairro da zona norte de São Paulo.
Conheci Dona Emma num dos seus dias de caminhada, e desta data já nos afastamos mais de uma década. Supunha que caminhasse para manter a saúde, que estivesse fazendo algum exercício recomendado por médicos. Era plausível, aparentava uma idade avançada, que naturalmente requer especiais cuidados.
. Dona Emma era amiga de minha mãe. Conheceram-se nas missas, muito católicas ambas. Sorridente, puxou conversa com um bom dia, produto em escassez na metrópole. Respondi-lhe por educação e, como se fosse conseqüência natural de um comentário gentil, conversamos por cerca de duas horas. A prosa tornar-se-ia uma rotina, a partir dessa data.
Dona Emma fala bem. Não é uma questão de retórica: teve pouca educação formal, ainda que sua inteligência seja facilmente percebida; tão pouco sua voz sugere alguma atenção especial, posto que sua orgulhosa idade se faça notar também pelo som das tão usadas cordas vocais. Escutá-la é encantador justamente pelo vigor que apresenta. Parece não se afetar pelo passar dos anos.
Em tempos de crianças que saem adultas dos jardins de infância, a doce velinha representa a pureza que a contemporaneidade sacrificou.
Nas conversas que tinha com Dona Emma, ia descobrindo um pouco mais da história de vida dessa senhora, que criou sete filhos sem a ajuda do marido alcoólatra, superou dificuldade de trabalhar e sustentar a prole, mesmo com o parco estudo e contra os preconceitos da sociedade da primeira metade do século XX, que não os escondia tão bem como faz a atual, e nem pretendia escondê-los.
Não foram poucas as vezes que doutores estimaram o fim das histórias de Dona Emma. Uma gravidez delicada, um grave acidente na cozinha que lhe queimou um quarto do corpo, um estômago de funcionamento muito lento que a impede de comer muito mais que um pássaro, entre outros revezes, quase regulares, dão aos médicos o perdão pelo prognóstico equivocado; à Dona Emma, apenas enriqueciam-lhe o acervo de surpreendentes histórias.
A mais impressionante passagem da vida de Dona Emma, no entanto, acontecia diante dos meus olhos. Aquela senhora não caminharia tanto por designação médica. É muito cética quanto à ciência. Depois de desmenti-la tantas vezes, não deve haver um empirista no mundo que lhe tire a razão.
Donna Emma não peregrinava pelo bairro do Jaçanã apenas aos sábados. Fazia o mesmo caminho diariamente, com exceção os domingos e feriados, quando o trajeto ao Hospital Geriátrico e de Convalescentes D. Pedro II era trocado pelo da Igreja de Santa Terezinha, onde se reunia grande parte da vizinhança, predominantemente católica.
Dona Emma supera diariamente quase um quilômetro de terreno acidentado até o Asilo doa Inválidos (nome original do Hospital) que, segundo a lenda e a qualidade das instalações, foi construído na época do império.
Com o mesmo sorriso que Dona Emma me conta satisfeita do seu dia, chega ao asilo para ajudar os funcionários a, como ela mesma diz, cuidar dos “velhinhos”.
São pouquíssimos os enfermos e idosos com mais de noventa anos. A maior parte tem seus setenta anos. Todos com histórias impressionantes sobre carreiras de sucesso que ruíram, outros que amaram até que a promessa do altar fosse consumada, boêmios veteranos, que consumaram a vida nos prazeres da noite e hoje, nos leitos da instituição, aguardam a visita de parentes ou de Caronte. Muitas vezes a visita dos primeiros só ocorre momentos antes ou logo após a visita do barqueiro da mitologia. Para alguns, nem essa ocasião lhes permitirá rever seus familiares.
É por amenizar a carência dos enfermos e dos velhinhos que Dona Emma é tão brilhantemente generosa. Vai ao hospital levar companhia e carinho a pessoas tão fragilizadas pela perda de vitalidade ou de esperanças. Vai tratar das dores da alma dos internos, tão mais cruéis que as do corpo, tratada pelos médicos.
A solidariedade de Dona Emma ajuda a explicar como ainda existam pessoas que utopicamente acreditem em um mundo melhor. O altruísmo dessa senhorinha, que parece aumentar a cada página de calendário que destaca, prova que ainda há pessoas essencialmente boas no mundo.