sexta-feira, 16 de maio de 2008

Enquanto o trem não passa

"Saudosa Maloca, Maloca querida, dim dim Donde nóis passemos os dias feliz da nossa vida."Esses não são os versos com os quais Adoniran Barbosa imortalizou minha terra natal. Todavia, a letra de Saudosa Maloca diz bem mais sobre o que sente um Jaçanaense "fora de casa", posto que desde meados dos anos 60, o "Trem das Onze" não passa mais por lá.Burocraticamente, apesar de ser conhecido em muitos lugares como o bairro da premiada canção do sambista, Jaçanã é na verdade um distrito, á propósito, relativamente grande, e entre os bairros que o constituem, está a Vila Constança ,onde morei por doze anos, quase até o final do último verão.Não é nem de longe uma das regiões mais badaladas de São Paulo. Na verdade, salvas as avenidas principais, o jaçanã em pouco lembra a grande metrópole. Aliás, até onde esse distanciamento é possível, é um distrito bastante pacato.Infelizmente, e como não poderia deixar de ser, o estado não é muito eficaz na região, o que pode ser constatado pela má qualidade do asfalto e pelos precários sistemas de saúde e educação. A infra-estrutura desses sistemas existe, mas não há manutenção, só inaugurações e recapeamentos. É um distrito com muitos bairros residenciais. Muita gente que mora na região, que fica na zona norte, fazendo fronteira com o município de Guarulhos, trabalha no centro da cidade, e segue a rotina padrão da periferia de São Paulo: acordar cedo, utilizar-se do transporte público pra ir ao trabalho, voltar pra casa as seis horas da tarde em horário de pico. Pra fazer a migração pendular de cada dia, os jaçanaenses se afunilam em direção a estação de metrô Tucuruví, enfrentando um indigesto engarrafamento na avenida Guapira. O trânsito é a marca paulistana mais forte no distrito que possui praças onde ainda é possível reunir os amigos para tocar violão ou jogar damas. Ameno como só ele, o Jaçanã é o lugar pra onde volto, sempre que as lembranças deixam de ser suficientes pra matar a saudade forte que sinto longe de casa.
Saudades das pitorescas cenas do bairro que inchou com o município, mas que preservou seus símbolos: A Igreja de Santa Terezinha continua sem cadeiras suficientes para o grande número de fiéis que aparecem aos domingos; o time do Clube Guapira se mantém como grande esperança jaçanaense no esporte (torcemos muito para que o time acesse a alguma divisão relevante do campeonato paulista para que vejamos os grandes clubes paulistas jogarem perto de casa); o centenário Hospital Geriátrico e de Convalescentes D. Pedro II ainda é conhecido apenas como Asilo dos inválidos e mantêm seu funcionamento regular.
Já que chegamos ao Asilo, aproveitemos que é cedo pra ficar mais um pouquinho. Logo Dona Ema virá conversar conosco. Ela é uma senhora já com suas 93 primaveras que cuidou sozinha dos filhos, teve uma série de dificuldades, as quais superou com muita disposição e trabalho. À propósito, Dona Ema vem visitar o Asilo. Como ela diz, vem cuidar dos velhinhos, rezar um pouco com eles, conversar com o pessoal que trabalha aqui que sempre a trata muito bem. E vem pra cá caminhando, apenas com o auxílio de sua sombrinha, no mesmo trajeto de calçadas desniveladas e esburacadas pelo qual regressa ao final da tarde, com uma vitalidade contrastante com as rugas de sua mão, mas que é a tradução literal do brilho de seu sorriso.
Desculpe-me. Por um devaneio que a nostalgia e o adiantado da hora me trouxeram, senti-me de novo na estação onde não passam mais os trens de Adoniran. Não vou corrigi-la, no entanto. Opto por deixar-te com essa imagem quase onírica retratada por minha saudade. Espero que também ouça o apito que chega á gare, hora de partir.

Nenhum comentário: