. Os problemas, as idéias, as dúvidas e as certezas de um homem sem meias palavras, que desde os quinze anos ,atende por jornalismo.
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SARAU-BUBA, COCA, ETERNA, GLICOSE, GRINGA, MUSTA, JB
Faltava um revisor no jornal O Correio de Marília.Um professor de português, que fazia parte da equipe de revisão do jornal, com a necessidade de um substituto para o cargo sobressalente, reconheceu em um de seus alunos a habilidade que a profissão requisitava.Assim começava a carreira de Zarcillo Barbosa, então um jovem aos quinze anos. Hoje, já com seus cabelos brancos, ele é um experiente jornalista e professor doutor da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP).
SARAU - Em sua carreira, o senhor tem que viajar para vários lugares, com vários compromissos e horários. Como fica sua relação com a família?
ZARCILLO BARBOSA - A família é um problema muito sério. Um jornalista tem que trabalhar muito, não tem hora para nada. Quando atinge um grau profissional, ele não pode ficar trabalhando apenas cinco horas por dia, como é a jornada de trabalho de um jornalista. É necessário outro emprego. São dez horas por dia. Isso é um grande problema para família, porque as esposas, os filhos, querem o pai e o marido dentro de casa, e isso nem sempre é possível. Você trabalhar em um jornal, você tem uma jornada estafante e isso acaba não sendo compreendido dentro de casa. Foi o que aconteceu comigo, eu sou casado duas vezes, minha primeira esposa não entendia isso. Eu era o editor do jornal, tinha que ficar lá até duas da manha pra fecha-lo.“Como você vai outra vez, vai sair de noite outra vez”, “Mas eu tenho que fechar o jornal”. Mas isso ai acabou deteriorando o meu relacionamento. Não fui eu que me separei, foi ela quem se separou. (risos). Todos os jornalistas que eu conheço estão no terceiro ou quarto casamento. E para resolver a questão eu me casei com uma jornalista.
SARAU - O senhor escreveu um artigo, “As Universidades e o Serra” (Publicada em 3 de junho do ano passado, no Jornal da Cidade), que teve grande repercussão no meio acadêmico, na ocasião dos protestos contra os decretos do governador José Serra. Como o senhor avalia essa questão?
ZB - As greves têm seu lado bom. Mas para o currículo escolar a paralisação demorada prejudica o rendimento e a transmissão de conhecimento. Há o custo/benefício. Devemos melhorar a universidade, batalhar pela melhora nos níveis de ensino. Às vezes para conseguir isso, o estudante precisa adotar medidas nada românticas. Foi o que ocorreu na última greve, em que eu escrevi um artigo sobre a invasão da reitoria na USP. A imprensa chamava aqueles jovens de baderneiros. Na minha visão eram “heróis da resistência”. Porque não é mole ficar num inverno chuvoso, ir acampar na frente da reitoria, comer mal, dormir mal, trepar mal, porque lá o chão é muito duro. Quanto à imprensa chamá-los de baderneiros, eu acho errado. Estavam defendendo uma causa. Não existe nenhum interesse, por parte das autoridades universitárias, de fazer um dialogo tornar-se produtivo, então é necessária a força, é assim que ocorrem todas as guerras. É assim que Marx e Lênin pregavam, “não se pode fazer omelete sem quebrar os ovos”.
SARAU - O senhor acredita que há má vontade ou falta de disposição do Estado para que o Ensino Superior se desenvolva?
ZB - Exatamente, Educação nunca foi prioridade neste país, seja em todos os níveis, eu acho isso ai vergonhoso. Os governos se sucedem e todos eles querem apenas obras de fachada, obras que rendam votos. Então no governo militar construíram a transamazônica, e o que é hoje a transamazônica? A estrada das onças. Construíram a ponte Rio-Niterói, estádios de futebol nas grandes cidades. Um deles, construído em João Pessoa, era maior do que o número de habitantes da cidade, nunca lotou e nunca vai lotar.Por isso que temos um dos mais baixos rendimentos escolares do mundo. Nos igualamos ao Sudão e à Etiópia em rendimento escolar. Os alunos saem do primeiro grau sem capacidade para ler um parágrafo do livro e muito menos para interpretar esse parágrafo. Matemática, então, estamos em centésimo nonagésimo lugar. E como não temos uma consciência cidadã no Brasil, ninguém se preocupa com a educação.
SARAU - Estamos acompanhando notável avanço nas tecnologias digitais. Como será a relação dos veículos tradicionais com as novas mídias?
ZB - A internet ainda está em fase de criação e de modificação. Nós conhecemos hoje a internet, naquela telinha do nosso monitor, mas ela pode se transformar em uma folha de papel, permanente, do tamanho do jornal standard, onde se clica com o dedo e as notícias vão aparecendo como se fosse em um jornal convencional, só que não se utiliza papel, só uma folha de polipropileno que contem certos chips e sistema de captação.
Então tudo essas novas tecnologias estão sendo estudadas. No The New York Times, há uma comissão permanente, composta de jornalistas, cientistas, comunicólogos, pra estudar a evolução das maneiras de se comunicar nas novas tecnologias. Aqui no Brasil eu não conheço iniciativas parecidas.
SARAU - Há risco dessas novas tendências na mídias suprimirem as ditas mídias tradicionais?
ZB - Agora temos também o problema do rádio-jornalismo com a digitalização do rádio. O telejornalismo com a sua digitalização. Os automóveis já estão saindo com a internet acoplada. Existem rádios hoje que são transmitidas vias satélite..
Então, a transformação é muito grande. Agora existe uma coisa que não vai passar da moda, que foi objeto de minha tese de doutorado, a comunicação local. Há dois pólos, o pólo global e o local, comunicação de proximidade, como eles chamam, micro-regional, essa sempre será importante. A notícia tem como um de seus atributos a proximidade geográfica. O que está acontecendo na sociedade sempre será prioridade. Veja que em casa tenho duas filhas moças, e elas não lêem jornal como todo jovem, mas quando chega o final de semana , na sexta-feira, elas querem o suplemento cultural, pra ver a agenda do final de semana.. Isso nunca sairá da moda, essa notícia de proximidade, essa comunicação comunitária.
SARAU - Como o senhor avalia a situação do jornalismo local no Brasil?
ZB -Os meios de comunicação locais perdem muito tempo com o global. Isso se justifica também, por estarmos em um país muito pobre, as pessoas não têm dinheiro pra comprar dois jornais como acontece em países como o Japão, a Europa, os EUA. Aquele sujeito que só pode comprar o jornal da cidade tem que ter algumas notícias internacionais para não ter que comprar outro. É importante que esses jornais dêem essas noticias, mas eles gastam muito espaço, poderiam ser mais resumidas, e os meios de comunicação local se ater mais ao que acontece na comunidade, tem tanta coisa importante ai acontecendo, e ninguém fica sabendo, o que é uma pena.
Então a televisão dá ênfase à mesma coisa, nós não temos espaço para a nossa criação nem facilidade de divulgação, porque na televisão há até uma obrigação constitucional de abrir espaço para o regional e o local, principalmente para o noticiário local, mas também para a criação local. Toda forma de expressão artística ou verbal local devia “direito de antena”, isso no México já existe, na Europa também existe, todo meio de comunicação tem que facilitar a democratização do meio onde ele está instalado.
SARAU - Muito se falou a respeito da televisão digital, que ela democratizaria a produção televisiva brasileira. O senhor acredita que isso realmente é possível?
ZB - Em curto prazo isto não vai ocorrer, porque a TV digital requer um investimento financeiro muito grande. A legislação prevê que uma emissora comunitária se preste bem a esse papel fazendo entrevistas com as pessoas da comunidade, sejam elas importantes ou não, abrindo espaço para as várias correntes de opinião. Mas para se digitalizar ela terá que gastar pelo menos dez vezes que já gastou e do que compõe seu capital como empresa e não sei se o dono da televisão tem essa disposição de democratização. Portanto, existe essa dificuldade na digitalização e em curto prazo haverá esta opção, mas, evidentemente, isso permitirá uma melhora de padrão técnico e, se puder existir uma televisão comunitária com o mesmo padrão de imagem da TV Globo, poderá ser transmitida alguma coisa em pé de igualdade, Resta só o problema da formatação, mas pelo menos a imagem será limpa. A formatação é secundária, o difícil é se assistir a uma imagem toda poluída, cheia de chuvisco, é desagradável.
SARAU - O senhor vê a mídia como o Quarto Poder? Acredita que ela assume um caráter formador de opiniões?
ZB - A mídia nunca foi o quarto poder, nunca foi capaz de modificar momentos importantes da história brasileira. Já quanto a formação de opinião, depende de vários componentes, ninguém consegue convencer ninguém através de um artigo, de uma série de escritos ou de programas de televisão e rádio. A formação de opiniões é sempre produto de um reprocessamento de informações, e isto está cientificamente comprovado. As pessoas recebem informações e acrescentam valores arraigados a sua cultura e a sua educação para que se chegue a um veredicto em determinada situação. O jornalismo é apenas parte desse processo.
SARAU - O senhor acredita que vale tudo se para conseguir uma notícia?
ZB - Isso envolve aspectos ativos muito importantes e tem que haver mais reflexão sobre isso. Até onde é válido ir para se conseguir uma informação? O jornalista foi feito para escrever notícia e não para morrer, como fez Tim Lopes, que se envolveu numa missão perigosa na favela e acabou morrendo. Isso não deve ser exigido do jornalista e nem ele deve ter essa pretensão de aparecer. Já vi casos de jornalistas se oferecerem como refém de assaltante de banco para que outro refém fosse libertado. Evidentemente que ele só queria contar uma bela história. Isso tudo faz parte da “sociedade do espetáculo” e eu não concordo isso, tudo tem seu limite. Temos que ter uma coragem, mas uma coragem editorial, de escrever mesmo sob pressão dos poderosos, dos ricos, dos políticos e, às vezes, até desafiando o próprio interesse da empresa. Mas não deve se partir para o exagero de se entrar numa guerra, na frente de batalha, com o peito aberto, arriscado a levar um tiro que certamente levará.
SARAU - Falando em “sociedade do espetáculo”, nós estamos assistindo a um grande show sensacionalista da mídia com o caso Isabela e o julgamento do casal Nardoni. Como o senhor vê esse problema na imprensa?
ZB - É uma repetição do que eu aprendi com Guy Debord, sobre a “sociedade do espetáculo”, com a espetacularização da notícia a imprensa corre sério risco de repetir a história da escola de Base, de cometer uma injustiça contra essas pessoas que são apenas suspeitos. A legislação de todos os meios civilizados prevê a presunção de inocência, todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Eles ainda não foram julgados e condenados, portanto eles têm de ser tratados como suspeitos se fossem os autores do crime. Além disso, presença constante da televisão atrai muita gente que quer aparecer. Pessoas que se aglomeram em frente da casa dos pais, que não têm nada a ver com isso, a não de serem pais dos acusados. A comercialização sobre tudo isso, com aquela aglomeração de pessoas vai um cara e começa a vender sorvete Daqui a pouco um cara instala um parquinho de diversões com roda gigante como no filme A Montanha dos Sete Abutres, de Billy Wilder, lá na porta da casa da família Nardoni. Tudo isso é um exagero, a evocação do imaginário popular é que vende e esses exageros a imprensa tem o dever de evitar para a proteção, inclusive, da lei e dos direitos humanos.
SARAU - Finalizando a entrevista, o que o senhor espera de um aluno de comunicação social?
ZB - Eu espero que eles saiam da universidade conscientes que têm uma missão a cumprir e essa missão é a defesa dos interesses da maioria.
A sociedade brasileira precisa evoluir muito, nós temos grandes bolsões de miséria, apesar de ter melhorado um pouco, mas nós temos trinta e sete milhões de analfabetos funcionais. Isso é muito ruim, nós precisamos de mais investimentos na educação, nós precisamos de mais investimentos na saúde. Então esse é um dinheiro que está fugindo pelo ladrão, temos muita corrupção e se os jornalistas não lutarem contra ela, principalmente para melhorar o legislativo, aquilo que é público é usado como pessoal. Isso ai tem que acabar e essa é a grande missão de vocês quando saírem da faculdade. Espero que vocês não se conspurquem, usando um termo jurídico... Não vendam a alma ao diabo! E evidentemente vocês não poderão se abstrair das necessidades das leis de mercado. Vocês não podem ser tão utópicos a ponto de ignorar isso, mas nunca devem se esquecer que tem que sobrar sempre um tempinho pra combater as mazelas sociais deste país, que são muito grandes.
Colaborou para a editoração da entrevista Vanessa Silva(glória)
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